Quem não tem saudades de uma tarde de toiros? O sol forte a bater na arena. Um toiro imponente, bem rematado, bravo, com o passo pesado e certo e uma respiração quente que corta o burburinho da praça num silêncio que transmite emoção. Um cavaleiro com arte, elegância e humildade, vestido a rigor e compenetrado no olhar bravo do animal. Um cavalo bem apresentado que permite um bom ferro ao estribo, um ladeio longo e perfeito. Um forcado com touraria e coragem que oferece ao público um cite sóbrio, um carregar com alma e uma reunião com técnica e beleza. O som forte e seco das palmas emocionadas, os aplausos de pé daquela que é uma vitória da humanidade. As longas conversas, as histórias, mais ou menos verídicas, as aventuras e o tão importante e simpático convívio. As lágrimas com terra, a dureza de enfrentar um toiro bravo, o nervosismo inquietante, a dificuldade quase intransponível e os dias quase sem dormir fundamentados na espera espera do grande momento: quem não tem saudades de uma tarde de toiros?
Muitos temos. Facilmente cairíamos numa nostalgia efémera que iria acabar por se desvanecer no mais recôndito compartimento da memória. No entanto, não vemos nisso nada de bom se o conjunto de memórias que temos não servirem o presente que temos que viver. Parece estranho afirmar isto numa altura em que enfrentamos uma pandemia e tudo o que foi descrito nos é hoje privado. No entanto, não há altura melhor que esta para o dizer.
Temos vivido tempos conturbados para a festa brava em muitos sentidos, com mais ou menos culpa, mais ou menos vontade. Este tempo de pandemia pode ser, então, um momento de enorme importância para refletirmos sobre a forma como as coisas estão e embarcarmos num caminho menos óbvio, mas que as circunstâncias nos permitem seguir: a reflexão. Escreveu Francis Wolff: “(…) si hoy la corrida de toros es cada vez más atacada, se debe a que cada vez es menos comprendida.” E os primeiros a precisar de relembrar as razões de uma corrida somos os que estamos dentro dela: todos os aficionados.
Deste modo, usemos os próximos tempos para repensar bem naquilo que é a festa, o seu significado inegável, a sua importância decisiva na nossa cultura e o sentido mais profundo da sua existência. Com este objetivo e usando o mote de Francis Wolff, iremos publicar pequenos textos que ajudem e guiem a reflexão daqueles que querem fazer este caminho de revisitar a tradição e as principais razões para terem começado a existir os inúmeros espetáculos da festa brava e para fazerem tanto sentido ainda hoje.